Antes de tudo remeto o leitor a dois vídeos, facilmente
encontrados na rede youtube.com,
intitulados “Uma história Severina" e “O caso Marcela”. Ambos mostram histórias
reais e similares de sofrimento por que passam as protagonistas, gestantes que
carregam no ventre seus bebês, com um detalhe: esses fetos nascerão mortos ou
morrerão após pouco tempo de existência extrauterina.
Surge então
o grande dilema: interromper a gravidez e evitar estender por nove meses o
sofrimento da mãe que sabe que carrega em sua barriga um ser fadado à morte, ou
deixar aos desígnios do destino e levar os fatos até as últimas consequências.
Em outros termos: interromper a gestação ou deixar o nascituro morrer?
Como se vê,
a questão é tormentosa. São de casos como esses que trata o julgamento
envolvendo os fetos anencéfalos (expressão usada para designar aqueles que não
desenvolvem seu aparelho cerebral, não havendo, assim, possibilidade de sobrevida),
no Supremo Tribunal Federal.
A decisão da
egrégia corte caminhou para considerar não cometer o crime de aborto (e nenhum
outro) a gestante que interrompe a gravidez em casos como os acima narrados (oito
ministros votaram nesse sentido; dois se posicionaram em sentido contrário).
Por decorrência lógica, a mesma razão deve se aplicar ao médico que efetuar o
procedimento.
Nesse
sentido, parece ser acertado o posicionamento prevalecente na corte. Por
tratar-se de uma questão eminentemente pessoal, cabe a cada pessoa analisar sua
própria situação, de acordo com sua consciência e suas crenças. Não poderia o
Estado, nesses casos, substituir o indivíduo, impondo-o determinado
comportamento, seja em um sentido (antecipação do parto), seja em outro
(criminalização da conduta).
De se
ressaltar que qualquer decisum do STF
deve ter por base o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo a Constituição
Federal de 1988. Essa estabelece que nosso país é um Estado laico, não havendo
religião oficial, tampouco impositiva. Destarte, a Corte não deve se fundamentar
em postulados de uma ou outra religião, até pelo fato de que cada uma possui
suas peculiaridades e cada ser humano é livre para seguir as que bem entender,
desde que não prejudique iguais direitos de outrem. Criminalizar a conduta em
comento equivaleria a tornar típico o comportamento de quem não segue qualquer
das religiões que se mostram contrárias à interrupção da gestação.
Foto: arquivo pessoal. Centro Histórico, São Luís do Maranhão - Brasil.