sexta-feira, abril 27, 2012

Matar ou deixar morrer? Eis a questão.


          

Antes de tudo remeto o leitor a dois vídeos, facilmente encontrados na rede youtube.com, intitulados “Uma história Severina" e “O caso Marcela”. Ambos mostram histórias reais e similares de sofrimento por que passam as protagonistas, gestantes que carregam no ventre seus bebês, com um detalhe: esses fetos nascerão mortos ou morrerão após pouco tempo de existência extrauterina.
            Surge então o grande dilema: interromper a gravidez e evitar estender por nove meses o sofrimento da mãe que sabe que carrega em sua barriga um ser fadado à morte, ou deixar aos desígnios do destino e levar os fatos até as últimas consequências. Em outros termos: interromper a gestação ou deixar o nascituro morrer?
            Como se vê, a questão é tormentosa. São de casos como esses que trata o julgamento envolvendo os fetos anencéfalos (expressão usada para designar aqueles que não desenvolvem seu aparelho cerebral, não havendo, assim, possibilidade de sobrevida), no Supremo Tribunal Federal.
            A decisão da egrégia corte caminhou para considerar não cometer o crime de aborto (e nenhum outro) a gestante que interrompe a gravidez em casos como os acima narrados (oito ministros votaram nesse sentido; dois se posicionaram em sentido contrário). Por decorrência lógica, a mesma razão deve se aplicar ao médico que efetuar o procedimento.
            Nesse sentido, parece ser acertado o posicionamento prevalecente na corte. Por tratar-se de uma questão eminentemente pessoal, cabe a cada pessoa analisar sua própria situação, de acordo com sua consciência e suas crenças. Não poderia o Estado, nesses casos, substituir o indivíduo, impondo-o determinado comportamento, seja em um sentido (antecipação do parto), seja em outro (criminalização da conduta).
            De se ressaltar que qualquer decisum do STF deve ter por base o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo a Constituição Federal de 1988. Essa estabelece que nosso país é um Estado laico, não havendo religião oficial, tampouco impositiva. Destarte, a Corte não deve se fundamentar em postulados de uma ou outra religião, até pelo fato de que cada uma possui suas peculiaridades e cada ser humano é livre para seguir as que bem entender, desde que não prejudique iguais direitos de outrem. Criminalizar a conduta em comento equivaleria a tornar típico o comportamento de quem não segue qualquer das religiões que se mostram contrárias à interrupção da gestação.


Foto: arquivo pessoal. Centro Histórico, São Luís do Maranhão - Brasil.