Três exemplos podem
servir para aclarar o debate:
Exemplo 1: Imagine uma
partida de futebol. A procura por ingressos é intensa e no dia da disputa
restam apenas cem entradas (cadeiras) disponíveis, das mais de sessenta mil
colocadas à venda por quarenta reais cada. Os ingressos restantes, todavia,
foram comprados por cambistas, que agora os vendem por quatrocentos reais cada
um, visando obter, assim, um lucro de mil por cento em seus negócios.
Comparando com a
situação levantada no início é provável que um número maior de pessoas entenda abusiva
a conduta dos cambistas, quando em relação à situação envolvendo passagens
aéreas. Qual seria, todavia, a diferença entre cambistas que elevam preços dos
ingressos esportivos e companhias aéreas que aumentam o preço das passagens em
determinadas datas?
De certo, ambos
utilizam-se dos fatores do livre mercado, pois, vislumbrando uma menor oferta
(menor número de lugares disponíveis) e maior procura (muitos querem ver o jogo
ou viajar naquele período), obtém maior margem de lucros. Assim, ao menos no
que diz respeito à visão do mercado tanto cambistas quanto empresas aéreas se
aproximam.
De mais a mais, o
risco do negócio também está presente nos dois casos, e mostra-se até mais alto
em relação aos cambistas, já que em boa parte das situações investem todo seu
capital na compra antecipada dos bilhetes, ao passo em que as empresas aéreas
já garantem um número mínimo de passageiros que supram os custos do voo
mediante vendas antecipadas e promocionais.
A diferença poderia
estar na licitude da atividade. A conduta das empresas aéreas, todavia, seria
lícita? Sobre isso escreveremos ao final do texto.
Exemplo 2: O segundo exemplo passa pela
análise da natureza do serviço de transporte aéreo. Ao meu sentir, o mesmo, a
exemplo de outros tantos, há tempos passou a ter caráter essencial, sobretudo
em face do processo de globalização, onde as distâncias que temos que percorrer
tornam-se cada vez maiores e inevitáveis.
Cada vez mais é
imprescindível se deslocar para outras cidades e até países em menores espaços
de tempo e a interlocução entre as gentes
é crescente. Dentro dos próprios centros urbanos onde vivemos as distâncias
percorridas todos os dias são assustadoras, quando comparadas a duas ou três
décadas atrás. Portanto, os meios de transporte se tornaram produtos inerentes
as nossas vidas, pois com raras exceções fica impossível viver sem eles.
Seguindo ao exemplo
(real, sobre os qual omito os dados pessoais, e que me levou a escrever esse
texto): uma mãe, idosa, pertencente à família de baixa condição financeira,
residente na capital de um dos Estados brasileiros, fica sabendo que seu filho
encontra-se prestes a falecer e que tem poucos dias de vida, talvez dois ou no
máximo três. O filho encontra-se internado em situação grave no Rio de Janeiro,
cerca de pouco menos de três mil quilômetros de distância, de onde não pode ser
transportado em virtude de sua debilidade.
A única forma de ver seu
filho ainda vivo seria locomovendo-se através de avião. Para isso era
necessário adquirir um bilhete aéreo. Todavia, era período de natal, e o custo
da passagem se encontrava com aumento de mais de mil por cento, chegando a
quase três mil reais, o que impossibilitou a mãe de ver seu filho, mesmo diante
de um esforço financeiro familiar, o qual veio a falecer. Em outras datas,
todavia, o voo seria viável.
Haveria um limite
moral ao mercado de passagens aéreas? A
oportunidade de aumentar os lucros (liberdade de mercado) seria um valor tão
importante a ponto de inibir, por exemplo, a permanência da mãe ao lado de seu
filho em seus últimos dias de vida?
Exemplo 3:
Recentemente o furacão Sandy castigou a cidade de Nova York. Sua passagem
deixou destruição por toda parte, e, como consequência, o fornecimento de
produtos e serviços tornou-se mais escasso.
Visualizando a
oportunidade que o mercado passou a oferecer alguns produtores/fornecedores
passaram a cobrar mais caro por seus produtos ou serviços, elevando
abruptamente o preço de gasolina, água, alimentos e outros.
Os elevados aumentos
nessa situação são razoáveis? Deveria haver mais humanidade e sentimento de
ajuda mútua em razão da destruição natural? Essa humanidade deveria ser
transplantada também para as regras do mercado ou essas seriam tão valiosas e
supremas a ponto de permitir a prevalência da lei da oferta e da procura em
tais casos?
Enfim, aspectos morais
devem permear relações comerciais? Nos três casos apresentados existe um limite?
Ou os lucros advindos do trabalho e esforço pessoal devem prevalecer sempre? De
mais a mais, a liberdade, nesses casos, é um valor supremo? Ou poderia, em
certa medida, ser limitada?
Imagem: arquivo
pessoal. Av. das Hortênsias, Gramado, Rio Grande do Sul - Brasil.