domingo, janeiro 06, 2013

Matar ou deixar morrer? Eis a questão II.



Em texto anterior[1] expus pelo alinho à decisão do Supremo Tribunal Federal em não criminalizar a conduta abortiva envolvendo fetos anencéfalos.
O leitor poderia imaginar que se trata de uma visão libertária, segundo a qual o Estado não deve deliberar acerca de questões que, à priori, dizem respeito ao âmbito individual, ou seja, aquelas envolvendo aspectos morais, como a crença do indivíduo e seus princípios pessoais e religiosos.
Nesse contexto, ninguém poderia ser obrigado a realizar ou deixar de fazer algo (o que inclui o aborto de feto anencéfalo) ao não ser em razão de seus próprios motivos.
Assim, quem acreditar, por exemplo, que a gravidez nesses casos equivale a uma prova divina, a qual se deve aceitar com resignação, optaria por continuar a gestação em tais hipóteses. Por outro lado, nada impediria aquele que não compartilha de tais crenças optar pelo abortamento. O inadmissível seria o Estado forçar a um ou outro caminho. Portanto, o julgamento realizado pelo Corte deveria ser absolutamente neutro, sem entrar em discussões quando aos aspectos morais da questão, bem por isso sua conclusão seria, inevitavelmente, no sentido de permitir que os cidadãos decidam por si mesmos (não criminalização).
O raciocínio é válido. O fundamento no qual sustendo minha opinião, todavia, é outro. Para este que vos escreve a não criminalização do aborto de anencéfalo mostra-se acertada em face da consideração de aspectos morais e religiosos, na medida em que leva em conta vivermos em uma sociedade miscigenada, formada por pluralidade de ideias e ideais.
Em casos como os que envolvem os fetos anencéfalos a controvérsia moral e religiosa é inafastável, devendo ser obrigatoriamente enfrentada.
Nesses episódios, inclusive, o argumento para não criminalizar o aborto não se mostra mais neutro que o argumento para proibi-lo.
A defesa em favor da “livre escolha” guarda em si implicitamente que os ensinamentos religiosos, os quais apregoam ser o feto um indivíduo – desde a concepção, são falsos, ao tempo em os partidários da criminalização levantam argumentos morais contrários.
Dessa forma, quem defende a proibição da cessação da gravidez o faz considerando que o feto equivale a uma criança, e que interromper a gravidez seria o mesmo que ceifar a vida de um ser humano indefeso. Bem por isso estar-se-ia diante de um criminoso.
Assim, considerando o conflito moral existente, e a necessidade de respeito às ideias divergentes (incluindo as de grupos minoritários ou até mesmo individuais), somadas a falta de certeza científica envolvendo a anencefalia, parece ser razoável optar por uma solução que privilegie e reconheça a pluralidade de pensamentos e a liberdade  de crenças, enfim, que respeite o próprio conceito de humanidade.  


Foto: Arquivo pessoal. Palácio Cruz e Sousa – Florianópolis – Santa Catarina – Brasil.


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