Em texto anterior[1]
expus pelo alinho à decisão do Supremo Tribunal Federal em não criminalizar a
conduta abortiva envolvendo fetos anencéfalos.
O leitor poderia imaginar que se trata de uma visão libertária, segundo
a qual o Estado não deve deliberar acerca de questões que, à priori, dizem respeito
ao âmbito individual, ou seja, aquelas envolvendo aspectos morais, como a
crença do indivíduo e seus princípios pessoais e religiosos.
Nesse contexto, ninguém poderia ser obrigado a realizar ou deixar de fazer
algo (o que inclui o aborto de feto anencéfalo) ao não ser em razão de seus próprios
motivos.
Assim, quem acreditar, por exemplo, que a gravidez nesses casos equivale
a uma prova divina, a qual se deve aceitar com resignação, optaria por continuar
a gestação em tais hipóteses. Por outro lado, nada impediria aquele que não
compartilha de tais crenças optar pelo abortamento. O inadmissível seria o
Estado forçar a um ou outro caminho. Portanto, o julgamento realizado pelo
Corte deveria ser absolutamente neutro, sem entrar em discussões quando aos
aspectos morais da questão, bem por isso sua conclusão seria, inevitavelmente,
no sentido de permitir que os cidadãos decidam por si mesmos (não
criminalização).
O raciocínio é válido. O fundamento no qual sustendo minha opinião,
todavia, é outro. Para este que vos escreve a não criminalização do aborto de anencéfalo
mostra-se acertada em face da consideração de aspectos morais e religiosos, na
medida em que leva em conta vivermos em uma sociedade miscigenada, formada por
pluralidade de ideias e ideais.
Em casos como os que envolvem os fetos anencéfalos a controvérsia moral
e religiosa é inafastável, devendo ser obrigatoriamente enfrentada.
Nesses episódios, inclusive, o argumento para não criminalizar o aborto
não se mostra mais neutro que o argumento para proibi-lo.
A defesa em favor da “livre escolha” guarda em si implicitamente que os
ensinamentos religiosos, os quais apregoam ser o feto um indivíduo – desde a
concepção, são falsos, ao tempo em os partidários da criminalização levantam
argumentos morais contrários.
Dessa forma, quem defende a proibição da cessação da gravidez o faz
considerando que o feto equivale a uma criança, e que interromper a gravidez
seria o mesmo que ceifar a vida de um ser humano indefeso. Bem por isso
estar-se-ia diante de um criminoso.
Assim, considerando o conflito moral existente, e a necessidade de
respeito às ideias divergentes (incluindo as de grupos minoritários ou até
mesmo individuais), somadas a falta de certeza científica envolvendo a
anencefalia, parece ser razoável optar por uma solução que privilegie e
reconheça a pluralidade de pensamentos e a liberdade de crenças, enfim, que respeite o próprio
conceito de humanidade.
Foto: Arquivo pessoal. Palácio Cruz e Sousa – Florianópolis – Santa
Catarina – Brasil.
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